Só para raros.

[Entrada ao preço da razão]

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ácido Parasemântico

PARA
*SEM
PARA
*SEM
PARA
*SEM
[***]
PÁRA
..*
...*
..*
.*
..*
__ã________ voltar.
_____q_____ sair.
___o_______ dormir.
N__________ acordar.
_______e___ amar.
______u____ sofrer.
_________r_ querer.

__________o.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Tratado sobre um Salgueiro Chorão

Defronte à sua velha Olivetti, olhou de relance sua pilha amarelada de papéis, tornou a fitar as páginas cândidas e silenciosas, e perguntou: seria Ele mais feliz por escrever tão bem?

E continuou, datilografando em sua mente: ou, simplesmente, conseguiria exprimir em palavras sentimentos e momentos tão complexos, tão lindos, e tão tristes, que nós mesmos já sentimos e vivemos, e que, por não tentarmos - ou, melhor, não conseguirmos - desnudá-los pela linguagem, ainda conseguimos sentí-los, vivos ou moribundos, de alguma forma, numa remota memória inescrevível...?

Iniciou, então, o seu tratado. O mesmo já iniciado em conversas interiores nos quartos obscuros e obnubilados de sua mente, que certamente não daria conta de todo aquele turbilhão de sentidos que a corroíam já há muitíssimo tempo.

"A cada palavra escrita e falada, mata-se, em geral sem querer, toda uma teia de sentimentos que a motivou. Como se o efeito matasse a causa, a criatura mata o criador. Resume-o a um mero sistema de códigos de letras, fonemas e regras, lindas, quanto mais rebuscadas e inesperadas forem as combinações de signos e significados. E a isso, chamamos, exasperados, arte, literatura. Cristalizam-se momentos, sentimentos, criações lúdicas e fantásticas, escondendo, assim, uma grande redução inerente ao processo da produção concreta, de dentro para fora. Uma grande violência contra nós mesmos, como o expremer de sumos de distintos frutos, que só conseguem transpor sabores ínfimos e minúsculos à mistura vitaminada, concreta, saborosa - posto entretenidora -, mas falsa - posto reduzida. Não vemos o vermelho, o azul, o amarelo, e o verde no branco, mesmo que nos digam que cada um está lá. E aquele laranja tão vivo, tão intenso, jamais será admirado plenamente, pois fora misturado e transformado: agora, é, simplesmente, branco. Jogamos, em palavras, sementes de nós ao vento, na espera de nascermos de novo, frutificando em outro jardim, como se elas carregassem em si a essência de cada um de nós, cada um, um grande salgueiro chorão, essencial apenas, e tão apenas, na nossa totalidade. Autores, em processo de ensandecência, escrevem para entender a si próprios, e ignoram a violência de seus atos. Outros, já ensandecidos, fazem-nos com consciência, e mutilam suas mentes sabendo que nunca se entenderão mirando suas próprias artes. Vomitam não partes inteiras de si, re-encaixáveis entre si como um quebra-cabeça, mas fragmentos mais ou menos aleatórios de uma existência complexa, irreconstruível do lado de fora. Mais: com o tempo, irreconhecível. Olham suas obras, e não se enxergam mais nelas, pois o momento do rompimento do elo de ligação entre a produção interna e seu parto para o mundo exterior e limitado da arte posta, concreta, é demasiado fugaz, quase instantâneo. Fragmentos do ser nunca comporão o todo, posto que ele não o é, já que sempre em mutação, e nem existe como todo fora de seu interior...".

E parou, subitamente, confusa. Já não sabia mais como continuar. A única conclusão de tudo aquilo era de que tinha certeza de que havia se tornado um salgueiro chorão. Conseguia sentir a seiva correr em suas veias. Seus cabelos, longos e verdes, pesavam sobre a cabeça, enrijecida pela madeira que cobria sua antiga face. E parou de escrever, não apenas por ser muito difícil datilografar com galhos tão grandes e espessos. Tivera que virar uma árvore para escrever dentro de si mesma, em anéis concêntricos e curvelíneos do interior de seu sólido tronco, a compreensão de sua própria história. Era isso, ou transformar-se em um vivaz animal - não humano -, capaz de, com tamanha força, adaptar a realidade de si àquela resumida e violentada fantasia de si, linda, fácil e irreal. E, finalmente, dar vida às palavras que preencheram, por tantos anos, aqueles ocres maços de papel de outrora.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

1-1=1/2

Parece que há tanta coisa a lhe falar...

Tanta coisa.
Tanta coisa que talvez nunca seja necessário.
Talvez nunca haja porquê.
Talvez não importe.
Talvez não.

Tal.
Vez.

Até lá.
0 risco daquela cinza vida medíocre.
Aquela mesma dos pesadelos da vida real.

Te encontro lá.
Afogado na terceira pincelada de um óleo ou um pastel.

Sem.
Graça.

N'alguma sala de espera.

Qual.
Quer.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Valseante

Piscava sim
Mui lentamente
[dum entrelaçar de cílios sem igual]

Sorria sim
Mui sorridente
[dum brilhantismo tórrido e mortal]

e eram quilômetros
e eram quilômetros
[duma distância curta e desigual]

Fitava assim
Muit'impotente
[dum lance tímido quis ser fatal]

Quisera surdo ser - ou ensurdecer

Mas lá ficou
E lá ficou
E lá ficou
Até o final

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Silência

E Silência era o seu nome: SI-LÊN-CIA.

[.agradável
confusa.Terna
insensível.Cinética
potencial.Familiar
estrangeira.Novíssima
nostálgica.Brilhante
opaca.Aquietante
revoltante.Sem fim
sem começo.]

Qual jogo comedido de palavras vãs, insãs, e vilãs?

Num bandeirar constante - o eterno risco de ter podido ser o que jamais fora
Num pendular constante - o eterno lastro assegurante por mas só mero tenro apreço

E arisca - à risca - nunca arrisca.

[silência]

Bem.
Eu também.
E, por isso - e só por isso - permaneço.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Felpas

Felpudo era o ar
Loquaz e renitente
Remanescente posto nascente
Ora minguado ora potente
Qual tal dormente inquieta o par

Felpudo era o som
Mordaz e crocitante
Excitante posto distante
Ora calado ora corante
Tenro semblante inquieta o tom

Felpudo era o odor
Jamais tão doce tanto
Duro aguanto posto que amanto
Ora perlado ora de santo
Sagrado canto inquieta a dor

Sem felpa, o resto:

[Sentido no par]
[Sentido no tom]
[Sentido na dor]

Sem tido ter
Qual ocre bel-prazer
De ter de novo
Aquele novo resto de nós