Só para raros.

[Entrada ao preço da razão]

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Artigo Único

Inciso XXV:

Prestar assessoria
no serviço de apoio
ao suporte de assistência
na prestação de suportamento assessórico apoiado
a fim de suportar o assistencialismo prestativo apoiador
do assessoramento assistencial na servição de apoiamento assessoral com vistas à servir no prestamento serviçal de assistir a suportação do servimento...

Aos Seus Cuidados:

São Paulo, 26 de novembro de 2010.


Ofício GD/GD/001/10


Excelentíssimo Senhor
Saxarba Abraxas
Departamento Demiânico


Caro Sr. Abraxas:


Para quem se inquieta, há uma grande luta contra a normalidade e a vida comum, trilhada e traçada pelo sistema em que vivemos.

2. Mas não precisamos lutar. É só fechar os olhos e já estaremos com 60 anos, talvez família, talvez filhos, sobrevivendo, bem ou mal.

3. Para quem quiser lutar - primeiro interna, depois externamente -, o percurso é, sim, terrível e extremo. Extremamente belo e extremamente horrendo.

4. Aos que desejam lutar, precisam adquirir doses cavalares de algum tipo raro de radicalismo, o que tudo vê, para dentro e para fora, a fim de adquirir o ímpeto de, de fato, lutar.

5. Quando se quiser desistir, como a maioria - e tudo bem, pois é normal desistir -, aí, finalmente, fica-se em paz.

6. Por enquanto, não quero paz.


Permaneço à disposição para qualquer informação complementar e aproveito a oportunidade para reiterar meus protestos.


Discordialmente,


Gato Desertor

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Devaneios Noturnos

(...)


E pensava e pensava, lasciva, rodopiando sem se lembrar: quantos eram, afinal, os tipos de amor? Existiria mais de um? E se fosse de um tipo só, haveria vários do mesmo tipo? Se sim, ao mesmo tempo ou em sequência? Sobrepostos ou substitutos? Vivos, mortos, moribundos, ressurretos? Como dar nomes iguais para sentimentos tão dissentidos e distâncias tão distintas?

Lembrou-se, então, das tantas malogradas histórias de enrugados casais que jamais viveram ao lado do amor de suas vidas. E que foram felizes para um sempre. Ou melhor e pior, por breves e bons momentos; como todos, uns mais e outros menos.

Vieram, então, como de sopetão, as palavras de Dalva. Uma negr'alma de olhos penetrantes e voz mui suave, assobiante:

"É esse meu amor nada senão uma eterna busca por alguém com todos teus efeitos, que prescinde da tua grandíssima desqualidade de amares a mim sem amares a ti nem a nós?..."

O firmamento parecia menor que a distância que ela pensava separá-la das estrelas que procurava. Ouviu o vento, em linda valsinha, zumbir pelos ouvidos. Sentiu, logo, Três Marias, um par d'olhos, uma boca, fitando-a, sem respiro. Nem mesmo encontrou o trio de estrelas e começou a chuviscar. Os leves pingos explodiam docemente sobre a órbita de seus olhos, irisados, que, logicamente, fecharam-se de pronto. Podia ouvir o assobio de Dalva, sem ver o quanto o céu descia e se aproximava para beijá-la. E o quanto o céu lembrava o véu démodé que ela usava desde tempos que sua memória já não se lembrava mais.

Teve certeza de que, a depender daquela noite, nunca mais encontraria o amor de sua vida. Nem saberia se era único, ou de qual tipo poderia ser. Nem se ele nasceria da morte de outro, ou se poderia coexistir, mesmo diminuto, mesmo sabendo de coisas que mudam de essência e que sempre mudam de nome e endereço.

Sabia que não havia tempo a ganhar.

Sabia que não havia tempo a perder.

Sabia que teria que reescrever, à saliva e sangue, a bruta fatalidade daquela noite que levou Dalva, que se foi sem desvendá-la o mistério do amor.


(...)