Só para raros.

[Entrada ao preço da razão]

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Perguntas ao Meu Amor

O Amor nos enreda em falsa prisão?
Ou é tão somente uma tesa condição?

São paredes sólidas com grosso grilhão?
Destruíveis peça-a-peça pela mão?
Ou consciente pena de Amor sem senão?

Os gênios sobrevivem a dor do Amor que nunca terão?
Ou infertilizam-no em ode ao músculo do coração?

O Amor mata a Revolução?

Ao retirar as selas: quanto tempo até rotar em podridão?
Ao escapar das celas: quanto pesa o pendão da ingratidão?

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Da Minha Liberdade

X: O que é a liberdade para você?

J: A liberdade não é a ausência ou o vácuo de amarras como se costuma se pensar. Estamos todos num sistema fechado de contradições, e só conseguimos fugir de um lugar para outro dentro deste mesmo sistema, mesmo quando achamos que estamos o subvertendo. Quando fugimos do mundo das amarras, das regras, fugimos apenas para um outro mundo de outras amarras: as anti-amarras; e de outras regras: as anti-regras.

X: Ou seja, para você a liberdade também pode ser uma prisão?

J: Não só pode ser como de fato o é. Em verdade, só é possível estar livre apenas em alguma dimensão social, posto que é impossível ser totalmente livre em sociedade. Ao ficar livre dos ditos "relacionamentos amorosos", por exemplo, prendemo-nos em outras regras, as do silêncio do - outro - jogo, as da dissimulação, da superficialidade, do anti-ciúme esquizofrênico, da administração múltipla dos casos, da tentativa-e-erro resiliente, do anti-amor tautológico.

X: Como o conceito de anti-amor se relaciona com essa discussão sobre a liberdade?

J: O anti-amor é o dogma dos seres livres. Aqui, anti-amor não é ódio ou qualquer sentimento ruim ou pretensamente oposto. Aliás, muito pretensamente, pois ódio, raiva, e sentimentos que temos como "ruins" não são ontologicamente opostos ao amor e outros sentimentos tidos como "bons". Todos são igualmente bons e igualmente ruins, sem que isso seja em si um absurdo lógico, pois todos são únicos, e só são valorados em sociedade.

X: Certo, mas se só vivemos em sociedade, faz sentido considerá-los segundo seu valor dado em sociedade, certo?

J: Sim, mas podemos considerar então o anti-amor como o negativo das regras comportamentais em que se joga no tabuleiro dos relacionamentos dos que se iludem em compromissos, presos por laços invisíveis, intangíveis, perecíveis, e improváveis. O anti-amor joga outras regras, as que já mencionei. E ele é tautológico pois, como amor, é propositivo, e como antípoda de si, nega-se infinitamente, inerte em sua existência, por vezes frio, distante, quase morto, mesmo que sempre retocado com traços de ternura e afago, até que algo externo torne a contradição tão grande que ele simplesmente desaparece, dando lugar ao que se chama amor, retornando, em marcha, à prisão da anti-liberdade.

X: E por que ser livre é um exercício?

J: Ora, pois há, em tese, muitos elementos perturbadores dessa contradição tão magnífica que sustenta esse projeto de liberdade. Há muitas lembranças de gozo e prazer a serem sentidas novamente, muita arte a ser contemplada, muitos problemas no mundo a serem resolvidos, muitos amores a serem realmente amados. Ser livre é, então, um exercício: de paciência, de meditação, de rejeição às regras, objetivas e subjetivas, dos imperativos morais e emocionais das relações, de reclusão em si mesmo - fora dos outros.

X: É por isso que as pessoas tem dificuldade em ficarem sozinhas?

J: Sozinho nunca se está. Mas de fato é difícil anti-amar pois há muitos seres encantadores por aí, mesmo que não seja fácil identificá-los. O problema é a incomparabilidade, de um lado, e a invisibilidade, do outro. Além de sermos todos únicos e diferentes, os seres pretensamente livres preferem esconder seus encantos e guardar suas magias e energias para si, para presentear a quem realmente "merece" por algum determinado tempo. Ora, nada mais preso que uma luz que não ilumina, que um rio que não jorra, que uma menina que não chora - e que não faz iluminar, e jorrar, e chorar.

X: E que não ri...

J: Bom, rir é muito fácil, por isso não falei do riso. Todo mundo ri. O tempo todo. O choro sim, de felicidade ou de tristeza, esse sim, é concreto, é vital. Só pessoas especiais merecem nossas lágrimas.

X: Devo admitir que uma entrevista terminando nesse tom não satisfará muito quem a for ler...

J: Pois admita também, junto comigo, que não há nada de mais cretino do que sempre satisfazer a quem nos quer bem e do que buscar nossa vã satisfação o tempo todo. Como quem teve a alma transbordada por outra, eu mesmo já não me satisfaço com qualquer coisa, muito menos com essas palavras que também já me soam vãs. Quando pensamos, não sentimos. E quando não sentimos, somos livres. É um exercício herculiano esse de não sentir. De fato, um grande fardo, suplicante por um chacoalhar de folhas que só venta de quando em quando, de tempos em tempos...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Requiescat in Pace Avia

Laboriosa quando jovem, sisuda mãe e companheira
Criara filhos, netos, cães, sob uma estreita cumeeira
Vira não Vargas, mas uruguaios, a tombar os Guanabários
Temera a farda, a fome, o riso, os sonhos revolucionários
Zelara a vida, a cheia casa, o galo, a prole, o desposado
Cuidara sempre a sua metade, bronc’amor nunca revelado
E jejuara às sextas-feiras a anjos por grã-reverência
E florescera ao fim da idade em grão-modelo de potência

Fora sombria a ventania que trouxera a novidade:
O riso terno e enrugado
Lacrimoso e fatigado
Cansado e cintilado
Muito mais que de repente
Cessara de brilhar

Fora tão cálida a crisálida a esconder nova saudade:
O punho firme e enrijecido
Forjado a tempo em amplo abrigo
Em amor lindo e embevecido
Por muito mais que de repente
Em nós há sempre de brilhar

Assentimento

Há ninguém de querer conhecer os melhores - e quem os são?
ou encontrar os melhores - donde virão? -
que a mim e a ti coexistem

Ainda que sob
o exclusivo egoísta
ponto de vista
de meu e teu eu

Entre bilhões de sentinelas
certeiramente existem
seres melhores a ti-eles-nós-vós-elas

E a este inteiro mundo que almeja só o melhor
- apenas e tão somente
entre aquilo e aqueles
que teve a oportunidade
- ou que se quis -
de conhecer
pela benevolência do acaso do caos

[Ínfima
Dessprezível
Ridícula
Semiinexistente parte
do universo total]

É esta, pois, a nauseante condição do viver de tal vetusta maioria:
"sede felizes com base no que - e em quem - conhecerdes!"

Pois se simples assim, que se brade:
Fecha-te então ao mundo que vai além das conhecidas fronteiras, dos cardápios, das línguas e ruas e não erras!
Condena-te eternamente a 'ser' o 'ser' mais feliz a vagar por estas terras!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A Aurora e o Ocaso

No ocaso da madrugada
quão triste é ouvir de longe
o desconsolo dos ventos púrpuros
ululados pelos corações vazios e covardes
em busca de lampejos de calor e redenção!

Quantas brasas requentadas mais
hão de recolher até que seja possível
arder em plena chama
alta, feroz e veraz
capaz de preencher
com renovada aurora
de luz e vida de outrora
as plúmbeas nuvens noturnas que trouxeram
com opróbrio e sub-repção
a calar todas as estrelas deste firmamento!

E se há tristeza neste mundo
capaz de tal malogro
Donde sói ver nos quatro ventos?
Donde jaz tal ressurreição?
Já que achacai tais vozes surdas
a rogar por tal pendão!

No enregelar de tais suspiros
nada mais há a surpresar

E a drunfar, drunfando afunda este manto carnal
E a cantar, cantando ajunta o que há no final