Só para raros.

[Entrada ao preço da razão]

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Da Minha Liberdade

X: O que é a liberdade para você?

J: A liberdade não é a ausência ou o vácuo de amarras como se costuma se pensar. Estamos todos num sistema fechado de contradições, e só conseguimos fugir de um lugar para outro dentro deste mesmo sistema, mesmo quando achamos que estamos o subvertendo. Quando fugimos do mundo das amarras, das regras, fugimos apenas para um outro mundo de outras amarras: as anti-amarras; e de outras regras: as anti-regras.

X: Ou seja, para você a liberdade também pode ser uma prisão?

J: Não só pode ser como de fato o é. Em verdade, só é possível estar livre apenas em alguma dimensão social, posto que é impossível ser totalmente livre em sociedade. Ao ficar livre dos ditos "relacionamentos amorosos", por exemplo, prendemo-nos em outras regras, as do silêncio do - outro - jogo, as da dissimulação, da superficialidade, do anti-ciúme esquizofrênico, da administração múltipla dos casos, da tentativa-e-erro resiliente, do anti-amor tautológico.

X: Como o conceito de anti-amor se relaciona com essa discussão sobre a liberdade?

J: O anti-amor é o dogma dos seres livres. Aqui, anti-amor não é ódio ou qualquer sentimento ruim ou pretensamente oposto. Aliás, muito pretensamente, pois ódio, raiva, e sentimentos que temos como "ruins" não são ontologicamente opostos ao amor e outros sentimentos tidos como "bons". Todos são igualmente bons e igualmente ruins, sem que isso seja em si um absurdo lógico, pois todos são únicos, e só são valorados em sociedade.

X: Certo, mas se só vivemos em sociedade, faz sentido considerá-los segundo seu valor dado em sociedade, certo?

J: Sim, mas podemos considerar então o anti-amor como o negativo das regras comportamentais em que se joga no tabuleiro dos relacionamentos dos que se iludem em compromissos, presos por laços invisíveis, intangíveis, perecíveis, e improváveis. O anti-amor joga outras regras, as que já mencionei. E ele é tautológico pois, como amor, é propositivo, e como antípoda de si, nega-se infinitamente, inerte em sua existência, por vezes frio, distante, quase morto, mesmo que sempre retocado com traços de ternura e afago, até que algo externo torne a contradição tão grande que ele simplesmente desaparece, dando lugar ao que se chama amor, retornando, em marcha, à prisão da anti-liberdade.

X: E por que ser livre é um exercício?

J: Ora, pois há, em tese, muitos elementos perturbadores dessa contradição tão magnífica que sustenta esse projeto de liberdade. Há muitas lembranças de gozo e prazer a serem sentidas novamente, muita arte a ser contemplada, muitos problemas no mundo a serem resolvidos, muitos amores a serem realmente amados. Ser livre é, então, um exercício: de paciência, de meditação, de rejeição às regras, objetivas e subjetivas, dos imperativos morais e emocionais das relações, de reclusão em si mesmo - fora dos outros.

X: É por isso que as pessoas tem dificuldade em ficarem sozinhas?

J: Sozinho nunca se está. Mas de fato é difícil anti-amar pois há muitos seres encantadores por aí, mesmo que não seja fácil identificá-los. O problema é a incomparabilidade, de um lado, e a invisibilidade, do outro. Além de sermos todos únicos e diferentes, os seres pretensamente livres preferem esconder seus encantos e guardar suas magias e energias para si, para presentear a quem realmente "merece" por algum determinado tempo. Ora, nada mais preso que uma luz que não ilumina, que um rio que não jorra, que uma menina que não chora - e que não faz iluminar, e jorrar, e chorar.

X: E que não ri...

J: Bom, rir é muito fácil, por isso não falei do riso. Todo mundo ri. O tempo todo. O choro sim, de felicidade ou de tristeza, esse sim, é concreto, é vital. Só pessoas especiais merecem nossas lágrimas.

X: Devo admitir que uma entrevista terminando nesse tom não satisfará muito quem a for ler...

J: Pois admita também, junto comigo, que não há nada de mais cretino do que sempre satisfazer a quem nos quer bem e do que buscar nossa vã satisfação o tempo todo. Como quem teve a alma transbordada por outra, eu mesmo já não me satisfaço com qualquer coisa, muito menos com essas palavras que também já me soam vãs. Quando pensamos, não sentimos. E quando não sentimos, somos livres. É um exercício herculiano esse de não sentir. De fato, um grande fardo, suplicante por um chacoalhar de folhas que só venta de quando em quando, de tempos em tempos...

Nenhum comentário:

Postar um comentário